Somos impactados por aquilo que vemos, ouvimos e vivemos, sejam situações alegres ou negativas. Não estamos imunes ao mundo que nos cerca e isso significa a possibilidade que temos de nos indignar, entristecer, agir, transformar.
Sabemos que não temos controle sobre muitos dos acontecimentos da vida, mas é possível buscar algum controle sobre aquilo que absorvemos e assimilamos. A ideia de Viktor Frankl, de que nosso poder de escolha, mesmo que limitado, é o que nos direciona rumo à pessoa que queremos ser, pode nos auxiliar a lidar com os acontecimentos atuais. Segundo ele, se não podemos mudar a realidade ou o contexto ao nosso redor, ainda assim, em última medida, podemos mudar nossa forma de lidar com aquilo que nos impacta.
Há situações extremas de sofrimento, como por exemplo, campos de concentração, situações de guerra, mortes violentas por motivos torpes, por intolerância, pelo ímpeto de aniquilar a vida alheia, como infelizmente poderíamos exemplificar com notícias que vemos relatadas.
O sentido que se dá após esses acontecimentos, a narrativa construída sobre como isso afeta cada um, individualmente, e também como afeta coletivamente os envolvidos e aqueles que testemunham uma catástrofe ou mesmo um acontecimento provocado pelo ser humano, é que vai permitir essa tênue possibilidade de cada um lidar com aquilo que ocorreu. Esse não é um trabalho apenas individual, mas também coletivo, pois as formas de enfrentamento envolvem recursos psíquicos, sociais, materiais, de colaboração e muitos outros.
Levando isso em conta, podemos refletir como nós educadores e familiares temos lidado com o que a vida apresenta para nós, sejam os acontecimentos aparentemente distantes, ou mesmo aqueles que nos afetam diretamente, como por exemplo, a perda de um ente querido durante a pandemia de COVID-19 e, além disso, sem poder concretizar os rituais que fazem parte do processo de luto.
É importante também nos questionar: como podemos ser um exemplo e uma inspiração para estimular o engajamento de crianças e jovens em atitudes solidárias, conjuntas e que promovam a superação, uma cultura de paz e a construção de sentidos? Em casa e na escola, podemos praticar ações, tais como:
- conversar e promover uma abertura para o diálogo. Pode parecer simples, mas o contrário disso, um ambiente de silenciamento ou de invisibilidade não favorece o desenvolvimento do autoconhecimento, da empatia, da colaboração e de outros fatores que ajudam na elaboração do que nos afeta. Por exemplo: apresentar um assunto, fazer perguntas sobre o que cada um pensa ou sente, acolher o que cada um apresenta.
- contar histórias, ler histórias, inventar histórias. Tudo isso estimula a proximidade, o compartilhamento de ideias, a imaginação, a criatividade, o mundo simbólico.
- brincar, sozinhos ou em grupo. Sejam brincadeiras de interação, introspecção, de movimento corporal, enfim, o objetivo é ter momentos de bem-estar e leveza sem necessariamente uma finalidade específica, apenas estar junto ou se divertir por um instante.
- estar ao lado, e não fazer pelos outros. Permitir que cada um se responsabilize, dentro de suas capacidades e possibilidades, estando ao lado, é essencial para a construção da autonomia e da autoconfiança. Por exemplo, não querer aliviar a todo custo sentimentos incômodos que crianças e jovens relatam, mas entender como isso faz parte da vida e como podem ser importantes para nos indicar como estamos.
- cultivar ações cotidianas que podem fazer alguma diferença. Gestos aparentemente triviais nos lembram de que nossas ações têm consequências e de que podemos fazer algo de positivo. Por exemplo, cozinhar juntos e produzir uma comida ou sobremesa gostosa, cheirosa; tratar as pessoas ao nosso redor com delicadeza e apreço; ajudar alguém.
A cultura da paz, do diálogo, da solidariedade se fortalece no dia a dia, não em uma ação única e isolada. A cultura da paz não se revela apenas diante da violência e do confronto, mas nos acontecimentos cotidianos, muitos dos quais nos convocam a responder: o que posso fazer diante disso? Qual o sentido desses acontecimentos em minha vida? E a cada nova resposta, vamos ensaiando acertos, fracassos e novas tentativas de viver melhor.
Texto: Mariana Gonçalo | Foto: Deposiphotos