As pequenas grandes coisas da vida…

Por esses dias, enquanto me preparava para uma reunião, em meio ao trabalho de acompanhamento de nossas escolas parceiras, me peguei pensando ao contemplar o meu café fresco sendo coado. Contemplar o café sendo passado se tornou para mim como que um ritual de meditação e conexão com a vida que pede passagem. O som, o cheiro, o calor, o movimento, a fumacinha do vapor, o barulhinho dele descendo com a força da gravidade, o coar sem pressa, o sabor; o saber do café!

O início deste ano, foi bem mais que apenas um início de ano letivo como geralmente costumávamos experimentar. O primeiro trimestre de retomada das aulas está sendo bem mais do que apenas um “voltar novamente para a escola”. Agora o foco vai muito além do “nada mais que abrir planejamentos”, retomar a transmissão de conteúdos importantes nas aulas dadas e depois simplesmente avaliar um desempenho.  Voltar à escola hoje representa a possibilidade de novamente sentirmos que somos capazes de sentir!

O encontro com os alunos no portão do colégio, o encontro com os colegas de trabalho na sala dos professores, o som de brincadeiras, risadas altas e correrias nos corredores e pátios está novamente contando uma história. Mas não qualquer uma. Não uma história igual ou repetidamente já experimentada. Falo aqui de algo inédito, pois durante a pandemia “o outro” foi sinônimo de uma ameaça eminente. Mas hoje na escola, em cada escola, o outro representa, como nunca, uma ponte, um espelho, uma vida, uma história, uma pessoa que venceu comigo!

Neste início de ano, os barulhos, movimentos e cheiros da escola nos revelam: ela está viva! Ela venceu! Sobreviveu às intempéries deste tempo de grandes tormentas. Foram ondas fortes que se chocaram contra suas paredes, seus alunos, suas famílias, seus professores, seus valores e principalmente seus sonhos. Muito mais do que dar a volta por cima, a escola venceu ao elevar, ao levar para cima todos aqueles que, mesmo que por um instante, se sentiram incapazes e pensaram em sucumbir.

Mas ela sobreviveu! E isso foi assim porque antes de tudo, está viva dentro das pessoas que ainda acreditam na força de uma educação que aponta para a vida. Falo de mim, de você e de uma educação que se fez presente por amor e responsabilidade sempre e o tempo todo. Olhar para as telas durante as aulas on-line, era o mesmo que fazer a experiência de olhar para a luz de um farol na encosta rochosa, que em meio à escuridão e rigor dos ventos contrários, seguia firme lá do ponto mais alto mostrando a direção a seguir.

Este foi, sem dúvidas, um tempo de aprendizado sem precedentes. Aprendemos que a internet, com as novas tecnologias, continua não sendo a salvação para tudo, mas se consolidou como importante instrumento de alcance de mentes e corações. Aprendemos que todos os professores têm dentro de si uma criança, um mestre e um “youtuber” (se gostou, clique no sininho, deixe aqui o seu like e se inscreva no canal). É, a educação se fez presente mesmo em meio ao improvável. Somos todos improváveis! Somos todos vencedores deste tempo! Aprovados não por passarmos pela prova, mas por seguirmos o caminho apesar dela.

Por esses dias eu recebi em casa a visita da madrinha de meu filho. Ela me contou o quanto ficou feliz após seu período de recuperação de uma questão muito delicada em sua saúde. Ela me disse que a maior alegria dela ao sair do hospital depois de muitos dias, foi a de parar na rua para comer uma banana. “Que alegria”, ela me dizia em meio à sua comoção ao descrever a cena. A olho nu isso nos passaria batido, mas, depois de todo o aprendizado, um abraço, um poema, um sorriso, um som de voz e até uma banana podem ser um verdadeiro milagre.

Sinto que ela aprendeu muitas coisas em relação ao valor que damos à vida, à presença das pessoas que para nós são fundamentais, às coisas simples que por muitas vezes fazemos em modo de piloto automático. Senti-me provocado enquanto ouvia suas palavras, pois naquela manhã eu havia comido uma banana e não me lembrava de ter ficado tão alegre assim. Vi que precisava ser ainda mais generoso e grato enquanto comia a fruta olhando pela janela de minha cozinha. Ser mais grato pela providência daquele alimento, do trabalho, do sustento, e daquela doçura que trazia para mim uma nova energia.

É certo que os lanchinhos do recreio, com banana ou sem, terão um sabor diferente em nosso paladar daqui por diante nas escolas. Por esses dias eu visitei um colégio parceiro para um momento de formação de professores. Enquanto iam me apresentando os espaços da escola, fui alcançado pelo cheirinho de bolo que tinha acabado de sair do forno. A mãe da mantenedora do colégio era a responsável pela cozinha. Ela precisou retornar ao trabalho para esta volta às aulas, pois com a movimentação de colaboradores e os desafios orçamentários, precisaram reajustar algumas estruturas de operação para seguirem adiante.

O cheirinho do bolo de cenoura que as crianças comeriam nos minutos seguintes, irradiava pelo ar daquele lugar sagrado, que a vida era soberana por ali. E mesmo com todos os desafios provocados pelo êxodo de muitos alunos, pelo sofrimento de precisar fechar uma unidade dedicada à educação infantil e por se deparar com tantas famílias em sofrimento emocional e financeiro no pós pandemia, aquela escola ousou não apenas abrir, mas antes disso, “se abrir”! Aquele cheirinho de bolo dizia muita coisa enquanto silenciosamente tomava conta daquele lugar.

Durante a pandemia eu aprendi a fazer bolo de cenoura com cobertura de chocolate. Eu não me lembro ao certo de quantos bolos eu já havia comido na vida até ali, mas sei que daquele primeiro bolo, que mesmo sem ser perfeito, foi feito, nunca mais me esquecerei. Sabe por quê? Porque além de tirar uma foto, fazer um vídeo (tempos modernos) e enviar para o Whatsapp de minha mãe (e fazer inveja aos meus irmãos) em agradecimento, naquela noite eu pude comer um bolo quentinho com minha família sentada ao redor da mesa. Na OPEE ensinamos a diferença entre preço e valor. Sempre digo aos alunos que o que mais vale geralmente não tem preço que pague! As pequenas grandes coisas da vida são essas que, apesar de não estarem à venda, estão sempre disponíveis a um olhar atento e um coração agradecido!

Por aqui na OPEE somos também uma família. Ao longo do tempo que nos apertou nos últimos dois anos, fui alcançado pela generosa presença de meus colegas de trabalho, que a cada reunião, a cada palestra on-line comigo em uma escola, que a cada mensagem trocada, me renovavam as esperanças. Refletia profundamente a respeito do quanto é importante poder contar com pessoas incríveis em momentos de crise. Assim era cada um deles comigo, assim era a OPEE com suas escolas parceiras, que também são essa família. Farol que mostra não apenas o caminho a seguir, mas que me provoca na responsabilidade de seguir seguindo; conseguindo!

Posso dizer que hoje a OPEE me ajudou a ser uma pessoa que é capaz de perceber melhor a beleza, o encanto, o valor e a vida que está presente nas pequenas grandes coisas do cotidiano. Sempre que vou a uma escola falar aos professores, digo que a OPEE, antes de ser uma metodologia, uma ferramenta ou apenas um livro, é antes de tudo um lugar de descanso. É um presente para nossa história de vida com suas futuras gerações!

Como fui fortalecido ao saber que o fruto do trabalho de meus colegas somado ao meu, foi sustento e chão para inúmeros professores, alunos e suas famílias. Penso que este tempo de desafios tenha, por graça de Deus, permitido que de dentro de nós viesse para fora aquilo que temos e somos de melhor e mais precioso. Experimentamos em nossa própria existência o “educere”. Doeu um pouco, mas valeu muito! Olhar agora para professores, diretores, coordenadores e equipes de trabalho dando o melhor de si em suas comunidades educativas, me enche de força e esperança. Isso tudo me provoca a também entregar o melhor que está ao meu alcance.

As pequenas grandes coisas da vida podem estar escondidas no delicioso aroma de um café fresquinho que foi passado com carinho. Essas pequenas grandes coisas da vida também podem estar escondidas na delicadeza de três cenouras que foram escolhidas para se transformar na doçura de um delicioso bolo. Na educação nós precisamos treinar o nosso olhar para captarmos o extraordinário que está presente no ordinário, que é a ordem do dia a dia, sermos guardiões da certeza de que educar não vale a pena. Educar vale a vida! Contemplar a coragem daqueles que caminham ao nosso lado é uma das maiores riquezas da vida. A coragem das escolas nos incendiou o coração neste tempo!

E pra você, quais foram os maiores aprendizados deste período? Quem foram as pessoas que compartilharam contigo o café, o bolo, os medos e a coragem que faz viver? Quais foram as pessoas que, por meio de seu trabalho, presença e generosidade, você foi capaz de ajudar estendendo a mão? Tão importante quanto chegar onde planejamos, é ter consciência a respeito de quem nos tornamos enquanto vivemos o bem pelo caminho. Quem você se tornou? Quais são os seus tesouros conquistados que hoje você compartilha com o mundo neste “retorno às aulas”?

O essencial continua sendo invisível aos olhos, mas não ao coração de quem acredita na força da Educação! Retornar às aulas hoje, para nós da OPEE Educação, representa uma grande uma renovação de nosso compromisso com um retorno à origem de tudo. Reascender um “primeiro amor” no gesto concreto de educar. Nós por aqui acreditamos que somos capazes de aprender aquilo que amamos. E daqui do fogão de lenha de minha cozinha, sentindo o aroma de mais um cafezinho sendo passado, leio com gratidão uma plaquinha que minha esposa colocou na parede: “a vida começa depois do café”!

 

Foto: Deposiphotos