Como ser um educador antirracista?

Para responder a pergunta do título deste post, trazemos alguns pontos importantes do livro homônimo de Bárbara Carine, mestra e doutora em Ensino de Química, idealizadora, sócia e consultora pedagógica da Maria Felipa, primeira escola afro-brasileira do país. A obra propõe práticas antirracistas tanto nas ações pedagógicas como na formação dos educadores, assunto com o qual Bárbara tem mais de 12 anos de experiência de atuação.

A professora, escritora e empresária nos convida a sermos sementes de transformação social. “A escola é um complexo social fundamental no processo de transformação da realidade social; ela é influenciada pelo sistema, ao passo que, em contrapartida, também o influencia, uma vez que forma pessoas que vão ocupar e ajudar a construir todas as demais instâncias sociais”, explica ela no livro. Por isso, a escola precisa ser uma aliada no enfrentamento das opressões estruturais, como o racismo.

Assim, na primeira parte de “Como ser um educador antirracista”, ela explica as estruturas racistas sob as quais fomos todos criados, como funciona o privilégio branco, o que é a branquitude e a importância de sermos antirracistas, mais do que não sermos racistas. E o primeiro passoé reconhecer o mito da democracia racial brasileira e nos colocarmos nesse papel ativo, humilde, de aprender e melhorar.

Bárbara lembra que racismo é crime e está previsto na Lei n. 7.716/1989, que inclui ofensas baseadas em “raça”, etnia, religião ou origem. Nesse contexto, xingar alguém de “macaco”, “betume”, ou “asfalto”, por exemplo, não é bullying, é injúria racial, outro crime previsto na Lei n. 14.532/2023. 

Por isso, a escola precisa pensar em como lidar com esses casos compreendendo os aspectos estruturais envolvidos. Não adianta fazer com que a criança ofensora, que disse algo racista a outra, peça desculpas para a outra e encerre o assunto ali. Segundo a autora, a questão é mais complexa.


Aspectos para se pensar

O ambiente escolar precisa levar em consideração vários quesitos. O currículo inclui a história negra de mais de 300 mil anos, que não começou com a escravidão nas Américas? Há representação de pessoas negras nas literaturas utilizadas? Na estética da escola – paredes, outdoors, placas, panfletos – há pessoas negras? Elas estão no corpo profissional escolar, em cargos de direção, coordenação, administração?

Além disso, a escola precisa investir no letramento racial de educadores, ou seja, assumir um compromisso continuado para que todas as pessoas que ali atuam, não apenas os professores, aprendam como as relações raciais estão postas em nossa sociedade e consigam desconstruir esses modelos internos e ter ações mais responsáveis.


A força do projeto pedagógico

Para formar pessoas com um entendimento social e cultural mais completo, a Escola Maria Felipa inclui nas práticas pedagógicas as relações étnico-raciais. Por exemplo, ensina as crianças sobre as potências da cultura afro-brasileira, como capoeira, maculelê, samba, culinária ancestral (feijoada, acarajé), mitologia de orixá e aritmética com base em artefatos matemáticos africanos. Bem como o aprendizado sobre formas geométricas baseado em tranças nagô e papiros e fractais africanos.O livro apresenta muitos outros exemplos de como enriquecer o currículo escolar com essas informações valiosas. Isso cumpre com os requisitos da legislação, que obriga o ensino de cultura e história africana e afro-brasileira em toda a extensão curricular da educação básica, bem como ajuda a construir a fundação para as práticas antirracistas, desde a formação dos educadores, até a das crianças.

Além disso, a empresária salienta a necessidade de valorizarmos e celebrarmos a diversidade para enfrentar o problema da evasão escolar e ter um olhar decolonial para as datas comemorativas, incluindo dias voltados para questões afro-brasileiras.


O que podemos fazer hoje?

Bárbara aponta alguns caminhos:

  • ao receber alguma piada racista, ao vivo, ou em alguma rede social, seja um veículo de denúncia e conscientização;
  • sugira a contratação de pessoas negras onde você trabalha, principalmente em cargos de poder;
  • na construção curricular, paute os conhecimentos ancestrais africanos e indígenas fora de um lugar de estereotipagem e rebaixamento;
  • represente graficamente pessoas negras e indígenas na estética da escola a partir de uma perspectiva positiva;
  • fomente a leitura de literatura negra e indígena nas proposições didáticas escolares;
  • organize na escola programas de formação de educadores com foco no letramento racial;
  • apresente intelectuais e personalidades negras e indígenas aos estudantes, com o objetivo de ressignificar a noção de humanidade e inteligência atual, que é excludente e racista.

Com esse novo olhar e novas práticas, sejamos todos construtores de uma sociedade efetivamente democrática, que inclua e represente a maioria quantitativa populacional brasileira, que é negra. Cada leitura, cada semente, cada comentário faz a diferença. Nosso impacto no mundo é relevante e podemos usá-lo para construir o tecido social que queremos deixar para as próximas gerações.

Texto: Marcela Braz.