Festas de fim de ano: como lidar com elas de forma emocionalmente construtiva
“Então é Natal, e o que você fez?” Essa é a letra da música que cai como uma pedra no estômago de muitas pessoas ao pensarem nas festas de fim de ano. Seja pelo escrutínio (real ou imaginário) da família, dos colegas, dos ex-colegas, seja pelo reencontro com pessoas que nos geram chateações, mas que fazem parte de um grupo maior do qual não se quer fugir.
Isso porque, entre o setlist de clássicos, estão hits como: “nossa, como você engordou!”, “e os namoradinhos?”, “quando você vai ter filhos?”, “vai ficar para titia, hein!”. As frases passivo-agressivas costuram eventos como amigo-secreto, Natal e Ano Novo com aquela sensação de derrota ao fim de mais um ciclo de 365 dias.
Então, já que cenários assim são relativamente possíveis de acontecer, podemos manejar essas situações de forma construtiva, com preparo psicológico e estratégias para manter o equilíbrio emocional e a convivência mais próspera e agradável. Lembrando que isso não significa não sentir e não se incomodar.
Equilíbrio emocional é ter consciência das emoções e gatilhos em você e nos outros, bem como escolher como se envolver com as experiências com sabedoria. Ou seja, é estar presente, saber o que se sente, prestar atenção em como as pessoas estão se sentindo e, a partir disso, escolher ter ações construtivas.
Nesse contexto, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) tem diversas práticas para ajudar nesse enfrentamento. Isso não substitui o acompanhamento psicoterapêutico, mas faz parte da psicoeducação da abordagem que pode ser útil em diversos casos da vida.
Preparação psicológica
Segundo a TCC, nossos pensamentos influenciam diretamente nas emoções e comportamentos. Por isso, a preparação para os encontros de fim de ano começa por reconhecer e reestruturar pensamentos negativos que possam surgir diante do convívio familiar e social.
- Reestruturação cognitiva: identifique e desafie pensamentos automáticos negativos, como “não vou aguentar essa conversa” ou “sempre tem briga nas festas”. Você pode trocá-los por ideias mais realistas e funcionais. Por exemplo: “posso respirar fundo, controlar minha reação e sair, se precisar” ou “vou focar nos momentos positivos e cuidar do meu estado emocional, independentemente do que aconteça”.
- Cartão de enfrentamento: prepare, antes da festa, algumas frases encorajadoras e realistas para ver a ocasião de forma mais positiva e para ter força de enfrentá-las. Alguns exemplos são: “sempre posso escolher como responder”, “essa pessoa não tem poder sobre mim” ou “estou aqui para mim em qualquer momento”. Tenha esse cartão em um lugar acessível, ou pode ser até em um bloco de notas no celular. Leia antes do evento ou até durante, se precisar.
Também é interessante mapear ocorrências repetitivas e planejar como lidar com elas, ou como responder. Por exemplo, decidir de antemão sua reação à tia que comenta sobre o corpo dos outros, ou como receber o primo que vive questionando sua situação financeira. A ideia não é se engessar, nem ceder à ansiedade e se perder nessa reflexão. É elencar os pontos de maior desconforto, que normalmente se repetem, e se preparar para eles.
Técnicas práticas para o dia dos encontros
- Relaxamento muscular progressivo de Jacobson: consiste em contrair e relaxar grupos musculares específicos e em sequência, para aliviar sintomas físicos do estresse, como tensão muscular e ansiedade. Isso contribui para a regulação do sistema nervoso. A instrução é contrair por 5 segundos e, em seguida, relaxar por 10 segundos as seguintes partes do corpo: testa, boca, olhos, cabeça (ao tensionar, puxe-a para trás), punhos, bíceps, tríceps, ombros, costas, peito, barriga, coxas, pés e dedos. Por fim, ao final da prática, imagine uma onda de relaxamento percorrendo todo o corpo, começando pela cabeça, descendo até a ponta dos pés.
Você também pode praticar a consciência corporal durante o evento. Ao longo da reunião, perceba como estão seus ombros, mandíbula e outros músculos normalmente tensionados. E solte-os sempre que perceber esse esforço desnecessário.
- Caixa da gratidão: exercício para todos os dias, a caixa da gratidão pode ser aproveitada para se criar um estado emocional de abertura e bem-estar antes do evento. O ideal seria registrar diariamente episódios e fatos (grandes ou pequenos) pelos quais você se sente grato. Leia-os ou faça essa lista antes de sair de casa. Isso pode ser repetido depois da reunião social também, para identificar os pontos positivos que aconteceram e fazer alguma regulação emocional, se for preciso.
- Diferenciação entre pensamento e fato: reconheça que pensamentos não necessariamente refletem a realidade. Muitas vezes, por causa dessa desconexão, acontecem os comportamentos disfuncionais. Na prática é possível não interpretar um comentário ríspido como um ataque pessoal imediato. Esse distanciamento reduz reações emocionais desproporcionais.
- Advogado de defesa interno: quando pensamentos autocríticos surgirem, use argumentos racionais a favor de si mesmo que contrariem as acusações dos seus pensamentos automáticos disfuncionais. Isso também pode ser usado para comentários dos outros ao longo dos encontros.
- Progresso e perfeição: foque nos pequenos avanços em seu comportamento e na regulação emocional, em vez de buscar a perfeição. Esta não existe, mas as melhorias contínuas vão se somando, até revelarem uma transformação expressiva. Identifique quais progressos já foram conquistados e tenha em mente que o objetivo não é ser perfeito. As festas de fim de ano também são oportunidades para observar avanço em como se lida com essas situações, mas não é realista pensar em mudanças drásticas, nem em comportamentos perfeitos. Somos humanos, afinal.
Outro ponto importante é colocar limites, proteger nosso espaço e nossa paz. Estabelecê-los, comunicá-los e sustentá-los é fundamental para cortar o desrespeito e explicitarmos aos outros como esperamos ser tratados.
Afinal, os encontros de fim de ano podem ser vistos como oportunidades de exercitar autocuidado, limites e novas formas de se relacionar. Usar essas técnicas não faz das festas perfeitas, mas pode torná-las mais honestas, leves e alinhadas aos seus valores.
Referências bibliográficas
CONCEIÇÃO, Jaquelini; BUENO, Gabriela (org.). 101 técnicas da terapia cognitivo-comportamental. Mafra, SC: Editora da UnC, 2020.
BECK, Judith S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
Texto: Marcela Braz.